PORQUE EU SOU POBRE, BALAS DE URSINHO ME PERTENCEM
Acabei de traduzir mais um livro para a Planeta, "When I Was Cool", do Sam Kashner. Ainda vamos definir o título em português. Ele deve ser lançado em março/abril.
É um livro de memórias "Beat". A história verdadeira de um garoto que foi estudar numa faculdade aberta por Allen Ginsberg, no final dos anos setenta. É bem interessante para quem gosta dos beatniks ou mesmo para quem quer conhecer mais. Ele dá um panorama da cena e da vida de seus professores, William Burroughs, Gregory Corso, Peter Orlovsky e o próprio Ginsberg.
Não sei se é anti-ético eu dizer isso, mas o autor é um nerd de marca maior, haha. Bem, ele faz questão de passar essa imagem. Um nerd que era fascinado pelos Beats e foi estudar com eles para tentar ser "cool". Logicamente, não conseguiu. Mas a grande graça do livro é essa, o contraste entre um adolescente tímido e sem talento com poetas gays malditos em final de carreira, que também não tinham idéia de como "ensinar poesia" e tentavam levá-lo para a cama.
Dessa leva "Beat", o meu favorito é o Burroughs mesmo. "Naked Lunch" é uma viagem psicodélica, quase incompreensível, mas ainda assim muito estimulante. "On the Road" do Kerouac eu acho "divertidinho". E aquela máxima dele "por eu ser pobre, tudo me pertence", praticamente criou o movimento hippie.
Eu me lembro de ter visto a encarnação viva desse espírito em Bremerhaven, uma cidadezinha no Norte da Alemanha, onde tive um namorado, Patryk Recovsky. Conhecemos uma mendiga que comeu todas as nossas balas de ursinho, hahah. Fiquei conversando com ela sobre Herman Hesse, Robert Musil e outros escritores alemães (sim, ela falava inglês, eu nunca consegui aprender uma palavra de alemão). E ela vinha com esse papo de que não precisava comprar cds, que ela andava na rua e de repente ouvia uma música que ela gostava tocando. Que tinha vontade de comer balinhas, e de repente aparecíamos nós com um saco. Hahah, cara de pau. O Patryk em si tinha um pouco esse espírito. Queria andar pelas ruas de Londres descalço. E, imagine só, um alemão de 17 anos levar para casa dos pais um brasileiro de 25 (eu), que ele mal conhecia. Afinal, eu também vivi esse clima "On the Road " durante meu longo mochilão. E dependi muito da bondade de estranhos...
Mas agora eu poderia colocar: "porque eu sou escritor, nada me pertence." Ah, sim, estou sempre no desespero atrás de freelas. Agora que terminei essa tradução, volto a mendigar balinhas de ursinho (e elas não são tão baratas no Brasil...). Este ano inteiro eu sobrevivi de brisa, do adiantamento dos meus livros ("A Morte Sem Nome" e "Feriado de Mim Mesmo"), traduções pra Planeta e freelas que fiz para Editora Abril, pra F Nazca e pra Eliane Caffé. O dinheiro de portugal e do roteiro ainda não entrou, talvez demore. E todo mês acho que a corda vai apertar no meu pescoço...
Se eu pudesse manter meus dedos parados, comeria os fungos que cresceriam entre eles. Hahah.