SE EU NÃO TE AMASSE TANTO...
Dobrando a esquina hoje vi essa placa na entrada da minha rua. "Se eu não te amasse tanto." Só isso, sem dedicatória nem assinatura. Claro que foi escrita para mim. Para quem mais seria? Minha rua só tem uns 15 prédios, 30 casas e algumas centenas de corações partidos...
Haha, mas eu cheguei a pensar... Não foi ninguém que passou por aqui não?
Falando em EGO de escritor, foi algo impressionante nas palestras do Itaú. A gente fica quietinho escrevendo em casa e nem percebe que essas doenças não são só nossas. Que há muitos outros com "seis dedos", escritores com as mesmas questões, as mesmas pretensões, os mesmos problemas. Por isso sempre acho tão interessante esses debates...
Ouvi coisas ótimas, outras nem tanto. É uma bobagem achar que os escritores só têm coisas interessantíssimas a dizer. Escritor só tem obrigação de ter coisas interessantíssimas para escrever ( e ainda assim, não me sinto com esse compromisso num blog, haha).
Acredito eu que a série de debates do Itaú Cultural não tinha a intenção/pretensão de trazer respostas, apenas de estimular a conversa entre escritores. Foi uma iniciativa maravilhosa e me senti honrado com o convite. Os temas expostos ganham uma dimensão única analisados por quem escreve, mas não é uma dimensão absoluta.
O tema da minha mesa, por exemplo – Cadê a Nova Clarice? Cadê o Novo Rosa? – certamente poderia ser discutido por críticos e acadêmicos que dariam um panorama mais verdadeiro da produção e da importância da literatura atual. Para falar da Clarice e do Rosa em si, há muitos especialistas maiores do que nós. Estamos trancados em casa, preocupados com nossa própria produção, não devemos olhar muito para os lados nem para trás. O peso do passado e a situação do presente devem ser observados, claro, mas pelo retrovisor, sem tirarmos o olho da estrada à frente.
Uma das perguntas que fizeram à minha mesa era de nossas "pretensões como escritores". Respondi que devem ser as maiores, obviamente. Devemos acreditar que poderemos ser os maiores, melhores, únicos, e trabalhar para isso. Eu deixei de tocar piano exatamente por isso. Meu sonho era ser maior do que Liszt, haha. Mas talvez ele tenha um peso muito grande sobre mim, e eu nunca me considerei minimamente talentoso como pianista.
Como escritor, acredito (e tenho de acreditar) que posso fazer algo realmente expressivo, mesmo que o tempo não esteja a meu favor, mesmo que a literatura hoje em dia não tenha o alcance que teve em outros dias...
Aliás, nenhuma arte tem. Isso eu também expus na minha mesa. Não surgirá outros Beatles, outro Picasso, porque o tempo não é para isso. O tempo é para verdades relativas, heróis segmentados, não absolutos. Com certeza muitas bandas tocam e compõem melhor do que os Beatles hoje, mas a oportunidade social que eles tiveram para transformar o mundo não irá aparecer tão cedo.
E eu me contento em ser o Guimarães Rosa de quem me ama : )
Quanto à Clarice, fiz questão de relativizar sua genialidade. Eu me esforcei muito para gostar dela. Hoje tem coisas que eu acho fabulosas, mas vai aí um motivo para odiá-la:
ANIVERSÁRIO - Clarice Lispector
Amanhã faz dez anos. Vou aproveitar bem este último dia de nove anos.
Pausa, tristeza:
- Mamãe, minha alma não tem dez anos.
- Quantos tem?
- Só uns oito.
- Não faz mal, é assim mesmo.
- Mas eu acho que se devia contar os anos pela alma. A gente dizia: aquele cara morreu com vinte anos de alma, mas era com setenta anos de corpo.
Arggggggggh! Esse é o conto todo. Haha. E foi esse conto que eu li na mesa. Veja só, se Clarice tivesse blog ela podia estar se queimando muito mais do que eu... Hahaa.
Para terminar meu "Relatório Itaú", coloco uma questão que fiz diretamente para o Ignácio de Loyola Brandão, na última mesa do encontro. Ele dizia que "o tempo é o senhor dos críticos", aquela história de que "os bons de hoje só serão conhecidos amanhã", etc etc. Mas a minha pergunta foi: "E os bons de ontem? Será que todos são conhecidos hoje? Não se suspeita de que muitos foram esquecidos para sempre, por falta de sorte, de oportunidade, de compreensão? E os bons de hoje, será que todos ficarão? Será que muitos não se perderão por aí?"
Nenhuma resposta concreta foi obtida, também nem era minha intenção. Mas gostei do Luís Vilela, que disse observar dezenas de "bons escritores" desaparecerem todos anos, sempre que há concursos de contos, de romances, e tem de se escolher apenas um vencedor. "Eu me lembro de livros maravilhosos que julguei em concursos anos atrás, mas que acabaram não ficando com o primeiro prêmio. Sempre procuro esses livros pelas livrarias, esperando que de alguma forma eles conseguiram ser publicados", disse ele.
E muitos escritores sem sorte acabam desistindo, se tornando políticos, traficantes, sendo atropelados pelo trem. Mas, também segundo Luís Vilela, "a vida pinça aqueles que ela quer que sejam sublinhados."