No povo, há poucas semanas. |
Neste período trancafiado, tenho de agradecer pelo meu trabalho. Tenho trabalho, tenho um bom trabalho, estou com uma ótima tradução e as contas estão em dia... Vamos ver até quando.
O trabalho mantém a cabeça no lugar – embora eu não saiba se é o lugar certo. Como autor, não tenho escrito uma linha de ficção – mas quem quer ficção? Não tenho nada a dizer. Há um bom tempo. E ainda assim, estou com dois próximos livros contratados, escritos há anos, sabe-se lá para quando. Se o mercado sempre se arrastou a passos de jabuti, agora temos um jabuti num aquário.
Lembro que, no final do ano, minha irmã, alguns amigos diziam que eu precisava sair mais de casa, conhecer pessoas. Eu sempre preferi conhecer pessoas online – desde os chats do Uol, passando por Orkut, Grindr, Tinder, Facebook... A maioria dos namorados conheci assim. E posso dar a explicação de escritor pau-no-cu de que “sou melhor por escrito”.
Mas, parafraseando Marilac, neste verão resolvi fazer algo diferente, me forcei a sair. No carnaval, caí nos bloquinhos; fiz amizades com os vizinhos; e me acostumei a sentar no bar da esquina cumprimentando a vizinhança. Tudo às vésperas do coronavírus.
Agora quem dizia para eu sair hashtagueia #FIQUEemCASA.
Me faz lembrar da fábula da Cigarra e da Formiga: quem conseguiu levar comida para casa neste tenebroso inverno, que agora aproveite trancado. Quem ficou só cigarreando por aí, que congele sozinho.
Já disse que tenho um sentimento que oscila entre inveja e pena em relação aos que estão trancados em casaizinhos. Tive alguns períodos trancados com o falecido – por falta de trabalho minha e dele – e só ajudou a deteriorar a situação. (Lá em 2016, o que salvou meu casamento foi literalmente o Monster Hunter Freedom Unite, um game extremamente viciante que me deixou horas e horas e horas fora da realidade matrimonial-encarcerada). Concluo que é melhor mesmo ficar trancado sozinho. Ou com a coelha.
Para a coelha, nada mudou. Mas sinto que ela está mais tensa, está sentindo. Não entende o que faço em polichinelos pela casa, os panelaços toda noite às 20h. Tenho conseguido manter a alimentação fresca – minha e dela – e ela já começa a pronunciar as primeiras palavras...