21/04/2020

NOTAS SOBRE O APOCALIPSE



"Art, the Clown."

 
Estamos todos trancados, mas algum olham as estrelas...

Não, pera, isso já postei (?).

Estou me perdendo nas minhas próprias notas e começo a achar que estou postando sempre a mesma coisa. A vida não pode mudar tanto num mês, em setenta metros quadrados.

Povo trancado podia estar lendo, podia estar maratonando séries, mas a vibração que sinto é que o povo está mais é cozinhando. O que mais vejo é receitas, em fotos feias, pães embatumados, pudins molengas. Nem pedir delivery o povo tem mais coragem.

O resultado é que o povo poderia ficar grato aos artistas, que fizeram livros, que fizeram filmes, que agora o povo pode consumir para passar o tempo – mas sei que isso vai ser considerado cada vez mais como supérfluo; povo é mais grato ao entregador de pizza. Então vai, enche esse bucho de pão!

Eu não tenho lido mais, não tenho cozinhado mais, não tenho feito nada a mais. Estou seguindo como um soldado, na rotina de sempre (que não chega a ser espartana): traduzo de segunda a sexta. Fim de semana reviso. Faço dieta de segunda a sexta. Jejum de 24h duas vezes por semana. Funcional 90 minutos por dia. Sigo emagrecendo.

E começo a me perguntar para quê?

A resposta mais óbvia é a boa forma (para quem?), mas acho que a mais certeira está no fim de semana. Eu faço dieta, sigo na programação, para que no final de semana eu possa comer, possa beber tudo o que eu quero. É a velha lógica de recompensa, infantil, capitalista, de poder aproveitar a vida só dois dias por semana. Mas faz sentido, porque ao menos a gente sabe que tem algo ali a se esperar. Eu, que trabalho em casa há tantos anos, sempre precisei disso para separar um dia do outro.

Um dia após o outro, o mercado literário vem sendo destruído. Se essa crise servir para destruir de vez o mercado, as chances de se reinventar já estão há muito sendo dadas: editora comercializar os próprios livros; ebooks mais baratos; povo que quer comprar o livro físico quer autografo do autor... Ou povo não quer comprar, como já não compra mais música, filme... chegaremos ao streaming de livros?

A literatura, como sempre, sobrevive, porque para realizá-la não é preciso muito mais do que papel e caneta. Mas, para que ela volte a circular pelas ruas, é preciso um novo sopro.

E um sopro hoje pode ser fatal.

NESTE SÁBADO!