05/03/2005

A CRUZADA CONTEUDISTA

Na Bravo deste mês saiu – além do meu livro novo - uma discussão sobre "a inteligência do funk carioca". Gente conceituada (ou quase), defendendo essa "manifestação cultural popular", falando da vanguarda, do descompromisso, do experimentalismo...

Acho tudo uma grande bobagem. O funk carioca não tem "sustância" alguma. Já ouviu? Já ouviu? Basta ouvir e perceber uma voz estridente berrando letras imbecis sobre uma batida tosca, geralmente sem acorde algum. Claro que seria tudo muito transgressor e muito experimental se quem estivesse fazendo isso fosse alguém que pesquisa o mínimo de música, mas não é assim que acontece. A arte "experimental", logicamente, é uma experiência, tentativa de um artista que vai para um lado, vai para o outro e busca diferentes possibilidades. Como algo pode ser "experimental" se não é uma experiência, se é apenas a manifestação de alguém que é INCAPAZ de fazer algo diferente?

Podem dizer que isso não faz diferença. Pois é uma "experimentação da música em si", não de um artista. Uma nova possibilidade aberta a todos por aqueles que talvez não tenham condições de fazer diferente. A questão é que, se o funk tivesse sido despertado por quem realmente entende de música, a tosqueira não teria uma justificativa apenas curricular, mas o background se refletiria de um jeito ou de outro na própria musica.

Quer um exemplo?

O Tetine, uma dupla REALMENTE experimental, que agora resolveu fazer funk. Tudo muito suspeito, sim, mas quando se houve se justifica. Isso porque eles sempre foram eletrônicos, sempre pesquisaram timbres e trabalharam letras bizarras, sempre tiveram um trabalho teatral, agora, vestiram a roupagem funk para um trabalho que continua sendo deles, continua sendo legítimo.

Há dois anos eles fizeram a mesma coisa com o elektro. Já eram eletrônicos, já eram bizarros, então só direcionaram o som para algo que estava na crista. Esse novo cd, "Bonde do Tetão", vai pela mesma linha. É uma paródia, uma sátira, feita por gente que sabe o que está fazendo.

E o resultado, soa diferente do funk carioca? Soa. É tosco. É imbecil. Mas tem sua inteligência. E não é só porque eu conheço o currículo deles (que já fizeram até performances baseadas em Brecht), mas porque os timbres e melodias (sim, elas estão lá) trazem muito mais imagens do que o som "vazio" dos morros do Rio. É como beber um vinho bom e um vinho barato. O efeito pode ser o mesmo, ficar bêbado, mas o vinho bom remeterá a muito mais sabores. E a ressaca certamente será diferente.

Outra banda que tinha seguido por esse linha era o De Falla. Que já era uma banda machista, já tinha a tosqueira do punk, só vestiu a roupagem funk e faturou com sua "Popozuda".

O Elektro, que estava em alta até pouco tempo, é um primo gringo do funk. Batidas eletrônicas secas, teclados baratos, letras escrachadas. Mas há uma pesquisa, há um resgate e há um avanço. Como alguém pode comparar Fischerspooner com MC Serginho? Chicks on Speed com Tati Quebra Barraco?

(Peaches eu já acho pior do que aquele "Funk da Pamonha". E olha que eu assisti um show dela ao vivo em Londres.)

Para dar um exemplo da "substância" no próprio "elektro made in Brazil", pegue o Multiplex. Tem a tosqueira, sim, tem o escracho, tem tecladinhos vagabundos, mas muita inteligência. Num de seus refrões, o vocalista Leandro Cunha canta: "Moderno vai/ moderno vem/ como é moderna a noite do meu bem". Tá falando do mundinho hype, tá passando uma mensagem aparentemente vazia, mas resgata uma música de Dolores Duran ("A Noite do Meu Bem"). Vai lá atrás para falar de modernidade. O cara conhece a história da música, sabe o que já foi feito, por isso pode seguir em frente.

Outra banda que eu tenho de admitir que tem seu mérito é o "Cansei de Ser Sexy" (só esse nome já merece louvor). Eles são descompromissados, são anárquicos, tocam três acordes, mas o conhecimento e o talento do baterista, produtor e mentor Adriano Cintra acaba sempre aparecendo de uma forma ou de outra.

É claro que eu adoro o trash. Ouço Nelson Ned, Cauby Peixoto, Eduardo Dussek. Mas esse povo tem no mínimo uma qualidade: voz. E trabalham com quem sabe tocar (apesar de terem um gosto discutível, o que deixa tudo mais divertido).

Podem me chamar de elitista, de ignorante e de conservador. Afinal, muita gente que defende o funk entende bem mais de música do que eu. Mas cada vez mais tenho vontade de montar no alto do meu cavalo e percorrer minha cruzada conteudista, degolando os bugres da nova era.

MESA

Neste sábado, 15h, na Martins Fontes da Consolação, tenho uma mesa com o querido Ricardo Lisias . Debateremos (e relançaremos) os livros la...